TODA SUA HISTORIA
historia negra do brasil na arte

A HISTORIA DA ARTE NEGRA NO BRASIL

Os artistas negros desempenharam papéis fundamentais na construção da cultura e da arte no Brasil, expressando histórias e lutas que refletem a rica herança africana no país. De mestres históricos como Aleijadinho, conhecido por suas obras esculpidas em igrejas barrocas de Minas Gerais, a figuras contemporâneas como o fotógrafo Sebastião Salgado e a cantora e compositora Elza Soares, esses artistas trazem uma sensibilidade única que confronta questões sociais e celebra a identidade afro-brasileira. Outros nomes, como o pintor e escultor Abdias Nascimento, pioneiro no movimento negro, e Lázaro Ramos, reconhecido por sua versatilidade no teatro, no cinema e na televisão, ajudam a ressignificar a presença negra no cenário artístico. Esses artistas transformam a cultura nacional, enriquecendo o imaginário brasileiro e contribuindo para a valorização da diversidade étnica e cultural do país.

ARTISTAS NEGROS

Aleijadinho (Antônio Francisco Lisboa) (1738–1814)

suposto retrato de Aleijadinho, por euclásio Ventura

Antônio Francisco Lisboa, O Aleijadinho, nasceu na cidade mineira de Vila Rica, atual Ouro Preto. Há controvérsias sobre sua data de nascimento, mas a maioria dos pesquisadores dizem que ele nasceu em 29 de agosto de 1738. Filho do português Manuel Francisco Lisboa, mestre de carpintaria, que chegou a Minas Gerais em 1728, e de uma escravizada chamada Isabel. Aleijadinho estudou as primeiras letras, latim e música com alguns padres de Vila Rica. Aprendeu a esculpir ainda criança, observando o trabalho de seu pai que esculpiu em madeira uma grande quantidade de imagens religiosas. Na segunda metade do século XVIII, graças ao ouro, surgiram as ricas construções em pedra e alvenaria. Foi nessa época, quando Minas Gerais liderava o movimento artístico da colônia, que Aleijadinho desenvolveu sua atividade de arquiteto e escultor.Foi difícil obter o reconhecimento de seu talento, pois na época, não se perdoava a condição de mestiço. Muitos de seus trabalhos foram feitos para confrarias e irmandades de brancos. Por conta de sua condição, não lhe foi permitido assinar nem sua obra, nem os livros de registro de pagamentos. Quando sua fama, apesar de tudo, chegou a outras cidades e sua obra se encontrava em pleno esplendor, a doença o atacou. Lepra ou sífilis, não se sabe ao certo, deformou seus pés e mãos. Entretanto, mesmo doente, ele não abandonou sua arte. Assim, quando suas mãos se deformaram por completo, atou-as com uma correia de couro para segurar o cinzel, o martelo e a régua. Aleijadinho faleceu no dia 18 de novembro de 1814 em sua cidade natal. Seu corpo foi sepultado na Matriz de Antônio Dias, junto ao altar da Confraria de Nossa Senhora da Boa Morte.

OBRAS DO ALEIJADINHO

Obras de Aleijadinho e suas características A maior parte das obras de Aleijadinho tem como tema central a religiosidade. As imagens sacras que produziu se caracterizam pelas cores, leveza, simplicidade e dinamismo. Grande parte de sua obra encontra-se nas cidades mineiras de Ouro Preto (antiga Vila Rica), Tiradentes, São João del Rei, Mariana, Sabará e Congonhas do Campo. Santuário do Bom Jesus de Matosinhos Algumas obras escultóricas que produziu estão no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonha do Campo. A planta do local imita o santuário de Bom Jesus de Braga, em Portugal.

Nesse Santuário, merecem destaque as representações da "Via Sacra". As cenas da Paixão de Cristo são formadas por 66 figuras, todas de cedro, em tamanho natural. Podemos encontrar essas obras dispostas nas sete capelas da rampa do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos. Abaixo, cena de Jesus sendo humilhado por soldados romanos:

Jesus carregando a cruz é uma das cenas mais famosas representadas por Aleijadinho.

OS PROFETAS

Além dessas obras, no Santuário do Bom Jesus de Matosinhos encontramos algumas esculturas emblemáticas de Aleijadinho, localizadas no pátio externo do Santuário.

O conjunto conhecido como os "doze profetas" foi produzido entre os anos de 1794 a 1804. Aleijadinho representou Amós, Abdias, Jonas, Baruque, Isaías, Daniel, Jeremias, Oseias, Ezequiel, Joel, Habacuque e Naum. Assim, o lado de fora do Santuário, em forma de terraço, é ornado por 12 estátuas dos profetas, um pouco maiores que o tamanho natural. As formas imitam os trajes da época dos profetas, segundo as gravuras bíblicas. As estátuas foram feitas de pedra-sabão, abundante na região do ouro. Esse material foi largamente utilizado por Aleijadinho também em umbrais e medalhões de frontispícios.

Carolina Maria de Jesus(1914-19770)

"A escritora Carolina Maria de Jesus nasceu na cidade de Sacramento, em Minas Gerais, no dia 14 de março de 1914. Filha de uma família pobre, teve uma educação formal de apenas dois anos. De 1923 a 1929, a família de lavradores migrou para Lajeado (MG), Franca (SP), Conquista (MG), até voltar definitivamente para Sacramento. Nessa cidade, a escritora e sua mãe ficaram presas durante alguns dias. Como Carolina sabia ler, as autoridades concluíram que ela lia para fazer feitiçaria. "Em 1937, Carolina Maria de Jesus mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou como empregada doméstica. Em 1948, foi viver na favela do Canindé, onde nasceram seus três filhos. Enquanto viveu ali, sua forma de subsistência era catar papéis e outros materiais para reciclar. Em meio a toda essa difícil realidade, havia os livros. Carolina Maria de Jesus era apaixonada pela leitura. A escrita literária, portanto, foi uma consequência. Assim, em 1950, publicou um poema em homenagem a Getúlio Vargas, no jornal O Defensor. Em 1958, o jornalista Audálio Dantas (1929-2018) conheceu a autora e descobriu que ela possuía diversos cadernos (diários) em que dava seu testemunho sobre a realidade da favela. "Foi ele quem ajudou a escritora a publicar seu primeiro livro — Quarto de despejo: diário de uma favelada. Assim, em 1960, o livro foi publicado e transformou-se em um sucesso de vendas. Nesse mesmo ano, a autora recebeu homenagens da Academia Paulista de Letras e da Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo, além de receber um título honorífico da Orden Caballero del Tornillo, na Argentina, em 1961.

"Depois do sucesso do seu livro, Carolina Maria de Jesus mudou-se da favela do Canindé, gravou um disco com composições próprias e continuou a escrever. Porém, suas próximas obras não obtiveram o mesmo êxito da primeira. Em 1977, no dia 13 de fevereiro, Carolina Maria de Jesus morreu em Parelheiros, distrito da cidade de São Paulo."

Principais obras de Carolina Maria de Jesus

"A obra de Carolina Maria de Jesus é marcadamente memorialística, uma literatura de testemunho, em que a autora expõe a realidade em que vive e reflete sobre ela. Nessa perspectiva, seus principais livros são:

Quarto de despejo (1960);

Casa de alvenaria (1961);

Diário de Bitita (1986);

Meu estranho diário (1996).

O livro que fez mais sucesso foi Quarto de despejo, mas isso não se repetiu. Os livros seguintes não despertaram o interesse nem da crítica nem da imprensa brasileira. A autora começou a cair no esquecimento. Mas no ano anterior à sua morte, ocorrida em 1977, seu primeiro livro foi relançado pela editora Ediouro. Em 1986, quase dez anos depois de seu falecimento, sua obra póstuma, Diário de Bitita, foi publicada no Brasil. No entanto, esse livro já tinha sido publicado, no ano de 1982, em Paris, com o título: Journal de Bitita.

Diario de Bitita

Foi em 1994 que o livro Cinderela negra: a saga de Carolina Maria de Jesus, de José Carlos Sebe Bom Meihy e Robert M. Levine, foi publicado e gerou um novo interesse pela escritora. No ano seguinte, os mesmos autores lançaram, nos Estados Unidos, o livro The life and death of Carolina Maria de Jesus. Além disso, eles organizaram os livros Meu estranho diário e Antologia pessoal, compostos por textos deixados pela autora e publicados em 1996. O livro Quarto de despejo é a obra-prima de Carolina Maria de Jesus. Foi traduzido para vários idiomas. Atualmente, cerca de 40 países conhecem essa obra. Após a morte da autora, esse livro continuou a ser editado, Carolina Maria de Jesus virou nome de rua e de biblioteca, teve livros produzidos sobre ela e muitas dissertações e teses acadêmicas foram escritas, principalmente sobre a sua primeira obra. A autora, portanto, conquistou lugar de destaque na literatura e na história nacional. Segundo Fernanda Rodrigues de Miranda, mestre em Letras: “Carolina Maria de Jesus é precursora da Literatura Periférica no sentido de que ela é a primeira autora brasileira de fôlego a constituir a tessitura de sua palavra a partir das experiências no espaço da favela, isto é, sua narrativa traz o cotidiano periférico não somente como tema, mas como maneira de olhar a si e a cidade. Por isso, seu olhar torna-se cada vez mais crítico diante do cenário de ilusões que São Paulo projetava com sua falsa imagem de lugar com oportunidades para todos.

Quarto de despejo: diário de uma favelada

"O livro Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, é um diário da autora escrito no período de 1955 a 1960. Nele, a primeira coisa que chama a atenção é a linguagem, mais próxima do coloquial, sem a preocupação com regras gramaticais, o que faz a obra mais verdadeira, mais próxima do real. Carolina Maria de Jesus gostava muito de ler. Isso fez diferença em sua vida, já que se transformou em uma escritora conhecida mundialmente e, por meio da escrita, pôde sair do contexto da favela. Para ela, a leitura era algo necessário e, apesar da miséria em que vivia, sempre encontrava uma forma de prosseguir com esse hábito: “Peguei uma revista e sentei no capim, recebendo os raio solar para aquecer-me. Li um conto. Quando iniciei outro surgiu os filhos pedindo pão”. Seu retrato da favela do Canindé é cru, direto, sem retoques: “Durante o dia, os jovens de 15 e 18 anos sentam na grama e falam de roubo. E já tentaram assaltar o emporio do senhor Raymundo Guello. E um ficou carimbado com uma bala. O assalto teve inicio as 4 horas. Quando o dia clareou as crianças catava dinheiro na rua e no capinzal. Teve criança que catou vinte cruzeiros em moeda. E sorria exibindo o dinheiro. Mas o juiz foi severo. Castigou impiedosamente”.

"A autora é a voz da favela e realiza a função de mostrar essa realidade, em seu diário, como a violência contra a mulher e a situação das crianças nesse ambiente: “A Silvia e o esposo já iniciaram o espetaculo ao ar livre. Ele está lhe espancando. E eu estou revoltada com o que as crianças presenciam. Ouvem palavras de baixo calão. Oh! se eu pudesse mudar daqui para um nucleo mais decente”. O seu diário também é um instrumento de resistência e justiça, a autora acredita no poder da palavra escrita, no poder da literatura. Em uma ocasião, Carolina Maria de Jesus vai a um açougue, onde a caixa se nega a vender qualquer coisa para ela. Mais tarde, a autora escreve: “Voltei para a favela furiosa. Então o dinheiro do favelado não tem valor? Pensei: hoje eu vou escrever e vou chingar a caixa desgraçada do Açougue Bom Jardim”. E cumpre sua promessa: “Ordinaria!”. Além disso, ela tem consciência de que sua escrita pode mudar a sua vida: “É que eu estou escrevendo um livro, para vendê-lo. Viso com esse dinheiro comprar um terreno para eu sair da favela. Não tenho tempo para ir na casa de ninguem”. No entanto, não era compreendida por seus vizinhos: “O José Carlos ouviu a Florenciana dizer que eu pareço louca. Que escrevo e não ganho nada”. Ou ainda: “Um sapateiro perguntou-me se o meu livro é comunista. Respondi que é realista. Ele disse-me que não é aconselhavel escrever a realidade”.

"Outro fato interessante da vida da autora é a sua opção de não se casar, o que mostra uma mulher independente e forte para a sua época: “Eu enfrento qualquer especie de trabalho para mantê-los [os filhos]. E elas, tem que mendigar e ainda apanhar. Parece tambor. A noite enquanto elas pede socorro eu tranquilamente no meu barracão ouço valsas vienenses. [...]. Não invejo as mulheres casadas da favela que levam vida de escravas indianas”. Essa sua independência manifesta-se também neste trecho: “O senhor Manuel apareceu dizendo que quer casar-se comigo. Mas eu não quero porque já estou na maturidade. E depois, um homem não há de gostar de uma mulher que não pode passar sem ler. E que levanta para escrever. E que deita com lapis e papel debaixo do travesseiro. Por isso é que eu prefiro viver só para o meu ideal”. Por ser uma mulher de personalidade forte, Carolina Maria de Jesus, no contexto da obra, não é muito apreciada pelas outras mulheres da favela. Mas a escrita (além da leitura) é a forma que a autora encontra para suportar os problemas de sua realidade: “Aqui, todas impricam comigo. Dizem que falo muito bem. Que sei atrair os homens. Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo”.

"É recorrente na obra a menção à leitura e o quanto ela é importante na vida da escritora: “Passei o resto da tarde escrevendo. As quatro e meia o senhor Heitor ligou a luz. Dei banho nas crianças e preparei para sair. Fui catar papel, mas estava indisposta. Vim embora porque o frio era demais. Quando cheguei em casa era 22,30. Liguei o radio. Tomei banho. Esquentei comida. Li um pouco. Não sei dormir sem ler. Gosto de manusear um livro. O livro é a melhor invenção do homem”. Outro elemento que se repete no diário é a menção à fome: “Fui na feira da Rua Carlos de Campos, catar qualquer coisa. Ganhei bastante verdura. Mas ficou sem efeito, porque eu não tenho gordura. Os meninos estão nervosos por não ter o que comer”. E ainda, no dia do aniversário da assinatura da Lei Áurea, Carolina Maria de Jesus escreveu: “E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual — a fome!”. Aliás, Audálio Dantas, o jornalista que apresentou Carolina Maria de Jesus ao mundo, fez a seguinte declaração sobre isso: “A fome aparece no texto com uma frequência irritante. Personagem trágica, inarredável. Tão grande e tão marcante que adquire cor na narrativa tragicamente poética de Carolina”.

"E, por vivenciar a fome, a autora demonstra a consciência da desigualdade social quando critica o governo da época: “O que o senhor Juscelino [Kubitschek] tem de aproveitavel é a voz. Parece um sabiá e a sua voz é agradavel aos ouvidos. E agora, o sabiá está residindo na gaiola de ouro que é o Catete. Cuidado sabiá, para não perder esta gaiola, porque os gatos quando estão com fome contempla as aves nas gaiolas. E os favelados são os gatos. Tem fome”. Então, responsabiliza o governo pela pobreza: “Quando Jesus disse para as mulheres de Jerusalem: — ‘Não chores por mim. Chorae por vós’ — suas palavras profetisava o governo do Senhor Juscelino. Penado de agruras para o povo brasileiro. Penado que o pobre há de comer o que encontrar no lixo ou então dormir com fome”. Não só o presidente do Brasil é alvo de suas críticas, como podemos perceber a seguir: “Os politicos só aparecem aqui nas epocas eleitoraes. O senhor Cantidio Sampaio quando era vereador em 1953 passava os domingos aqui na favela. Ele era tão agradavel. Tomava nosso café, bebia nas nossas xicaras. Ele nos dirigia as suas frases de viludo. Brincava com nossas crianças. Deixou boas impressões por aqui e quando candidatou-se a deputado venceu. Mas na Camara dos Deputados não criou um progeto para beneficiar o favelado. Não nos visitou mais.

"Além de sua consciência como mulher e favelada, ela também está atenta aos preconceitos e discriminação racial: “Eu estava pagando o sapateiro e conversando com um preto que estava lendo um jornal. Ele estava revoltado com um guarda civil que espancou um preto e amarrou numa arvore. O guarda civil é branco. E há certos brancos que transforma preto em bode expiatorio. Quem sabe se guarda civil ignora que já foi extinta a escravidão e ainda estamos no regime da chibata?”. Quando vai buscar papéis oferecidos por uma senhora, moradora de um prédio, ao subir o elevador, descalça, no sexto andar, “o senhor que penetrou no elevador olhou-me com repugnancia. Já estou familiarisada com estes olhares. Não entristeço”. Em seguida, o homem bem-vestido quer saber o que ela está fazendo no elevador. Ela se explica e pergunta se ele é médico ou deputado, ele responde que é senador. Por fim, Carolina Maria de Jesus justifica o título de seu livro: “a Policia ainda não prendeu o Promessinha. O bandido insensato porque a sua idade não lhe permite conhecer as regras do bom viver. Promessinha é da favela da Vila Prudente. Ele comprova o que eu digo: que as favelas não formam carater. A favela é o quarto de despejo”. E ainda: “Eu classifico São Paulo assim: o Palacio, é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos”. O livro Quarto de despejo é marcado, como ficou claro, por uma visão bastante crítica da realidade. A autora Carolina Maria de Jesus não se abstém de falar de política, da situação da mulher negra e favelada na sociedade, da fome. A sua obra, além de literária (e uma declaração de amor à leitura e à escrita), carrega forte carga política, de forma que não é possível separar uma perspectiva da outra. Assim, quando "escreve que a favela é o quarto de despejo, a autora deixa clara a sua indignação diante da realidade em que vive.